24 outubro, 2024

Sinistros em vez de Acidentes: Uma Mudança Necessária para a Segurança no Trânsito


Foto de Ian Probets no Pexels

Se perguntarmos às pessoas quais são as principais consequências negativas do trânsito, a lista pode ser extensa. Certamente, um dos primeiros itens será o "acidente de trânsito".

O dicionário define "acidente" como um acontecimento casual, fortuito ou imprevisto e, para muita gente, é isso que os acidentes de trânsito, de fato, são: eventos não planejados que ocorrem nas vias, podendo causar ferimentos, danos materiais ou a morte sem intenção, por mera fatalidade ou má sorte. 

No entanto, ao analisarmos as estatísticas, torna-se difícil acreditar que tais acontecimentos sejam de fato "acidentes". Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 1,19 milhões pessoas morrem anualmente em decorrência de acidentes de trânsito. No Brasil, dados do Ministério da Saúde mostram que, em 2022, mais de 33 mil pessoas perderam a vida nas estradas e ruas do país.

Se interpretarmos os "acidentes" de trânsito como eventos inevitáveis, a conclusão lógica seria que medidas preventivas — como as educacionais, de fiscalização, infraestrutura, sinalização ou normas de trânsito — seriam inúteis para evitar tantas mortes ao redor do mundo. 

No entanto, inúmeros exemplos mostram o contrário, que o trânsito pode ser mais seguro e harmonioso. Na década de 1970, a Holanda enfrentava uma grave crise de mortalidade no trânsito, com muitas vítimas fatais. Após intensa pressão social e política,  inicialmente, e com o posterior planejamento estratégico em diversos níveis, o país se tornou um exemplo global de segurança viária, como também um dos principais promotores do uso de transportes ativos, como a bicicleta.

No Brasil, estudos do Programa Vida no Trânsito mostram que as cidades participantes conseguem reduzir o número de mortes e lesões graves com a implementação de ações planejadas, desenvolvidas e avaliadas de educação, fiscalização e reestruturação de vias, em parceria com estados e municípios. 

Por essas e outras razões, o termo "sinistro" é utilizado em alguns países em vez de acidente para se referir a esses eventos, sendo oficialmente adotado recentemente em importantes documentos e políticas públicas brasileiras. Em 2022, a ABNT publicou a Norma NBR 10697/2020, padronizando essa terminologia na preparação e execução de pesquisas e relatórios estatísticos e operacionais sobre o tema. A partir de 2023, a mudança foi completamente incorporada ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB; Lei 14.599) em alinhamento ao Plano Nacional de Redução de Mortes e Lesões no Trânsito (Pnatrans).

A legislação brasileira vem, aos poucos, adotando o termo "sinistro", refletindo uma mudança de mentalidade, que visa conscientizar sobre a previsibilidade dos eventos de trânsito,  sendo mais do que um ajuste de linguagem. 

Agora, o desafio, além de disseminar essa nova abordagem junto à população, é transformarmos esse novo entendimento em ações concretas no dia a dia. Para isso, é fundamental que todos — sociedade e gestores — se mobilizem e se apoiem para fazer sua parte na prevenção dos sinistros de trânsito. 

O esforço vale a pena!


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Escrito por Fábio de Cristo. Psicólogo (CRP 17-1296), pesquisador e professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Curso de Psicologia da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi.


 

16 outubro, 2024

Exame Psicotécnico ou Avaliação Psicológica? Entenda a Diferença e o Termo Correto

Foto de Antoni Shkraba no Pexels

No Brasil, se você já possui a CNH ou está em processo para obtê-la, provavelmente já ouviu falar do "psicotécnico do Detran", "psicoteste" ou "exame psicotécnico". Mas sabia que esses termos estão atualmente incorretos? 

Uma rápida busca no Google por "psicotécnico do Detran" revela aproximadamente 31.000 resultados. Embora amplamente utilizados, eles não existem no Código de Trânsito Brasileiro em vigor e nem são ensinados nos cursos de psicologia, exceto em suas aulas de história. O termo apropriado é "avaliação psicológica". 

Os termos "psicotécnico do Detran" e "psicoteste" foram produzidos no senso comum. O "exame psicotécnico", por sua vez, merece explicação mais detalhada porque ele já foi corretamente adotado durante uma época. Amplamente usado a partir da década de 1940, antes que houvesse a regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil, se referia a um tipo de exame que aplicava técnicas psicológicas por outros profissionais, como engenheiros.

O objetivo era medir habilidades ou características para finalidades específicas, utilizando testes e outros equipamentos de medição, especialmente nos campos da saúde, educação e trabalho. O exame psicotécnico para motoristas, por sua vez, mensurava habilidades psicológicas necessárias para a atividade de dirigir.

Com o desenvolvimento da sociedade e da ciência, as práticas mudaram. Após a regulamentação da psicologia em 1962, o termo foi caindo lentamente em desuso na ciência, mas permaneceu popular. Na área de trânsito, a promulgação do segundo Código de Trânsito em 1966 tornou esse exame explicitamente obrigatório para motoristas de veículos de transporte. 

Esse código também estabeleceu que os Detrans deveriam disponibilizar serviços médicos e psicotécnicos, levando muitos setores a incorporarem esse termo em suas nomenclaturas, como "gabinete de psicotécnica" e "coordenadoria médica e psicotécnica", servindo de referência para a população na busca pelo serviço.

A partir do Código de Trânsito de 1997, atualmente em vigor, o "psicotécnico" deixou definitivamente de ser mencionado na lei, sendo expresso "avaliação psicológica". 

Essa mudança não é apenas de nomenclatura, mas também conceitual e prática. A avaliação psicológica inclui a ideia de processo, e não mais de um exame. Sendo processual possui etapas que dão maior amplitude ao trabalho, envolvendo desde a coleta, passando pela integração dos dados para embasar a tomada de decisões até a comunicação dos resultados, tornando-o mais complexo que anteriormente. 

Realizada hoje exclusivamente por psicólogos, ela permite afirmar sobre as condições psicológicas das pessoas. No contexto do trânsito, é utilizada para que o psicólogo avalie o (futuro) motorista, sendo obrigatória tanto para a obtenção da CNH quanto para outras finalidades relacionadas ao trânsito.

Os psicólogos, portanto, vão além de serem experts na aplicação de técnicas para produzir indicadores e na mera quantificação de um fenômeno psicológico por meio de um exame. No contexto da habilitação de motoristas, os psicólogos colocam essas informações dentro de um processo maior com a finalidade de analisar e descrever características psicológicas e comportamentais por meio de um conjunto de métodos (como observação, entrevista, questionários e testes) para produzir explicações ou entendimentos sobre o futuro motorista quanto a sua aptidão para dirigir. E assim, colaboram com a sociedade para tornar o trânsito um ambiente seguro para o deslocamento. 

Da próxima vez que você for falar em "exame psicotécnico" ou "psicoteste", lembre-se que o termo correto é "avaliação psicológica"!


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Escrito por Fábio de Cristo. Psicólogo (CRP 17-1296), pesquisador e professor na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Curso de Psicologia da Faculdade de Ciências da Saúde do Trairi.